domingo, 4 de novembro de 2012

SAT-irizados

Hipocrisia. 
Essa é a primeira palavra que me veio à mente quando tive a oportunidade de ter em mãos a prova do Enem 2012.  
A indignação quase me paralisou. Fique realmente atônita.

O que era aquilo? Questões sobre a história da independência de países africanos? Elementos visuais suscetíveis a diversas interpretações? E o tema da redação? Pelo amor de Deus!

Tivemos fatos marcantes em todo o ano de 2012: Rio+20, o julgamento do mensalão, a CPI que investiga o tráfico de pessoas, o assustador aumento da violência nos grandes centros urbanos... Nada disso foi explorado.

O que o MEC vem fazendo através da aplicação desta prova é um verdadeiro crime contra a educação brasileira.

É isto: trata-se de um exame intelectualmente criminoso, que soma inépcia e pretensão, patrulha ideológica e proselitismo pseudo-libertário, simplismo e pernosticismo, além de valorização exacerbada da história de determinadas regiões do país, mais especificamente o sudeste.

Como o Enem quer ser "o" vestibular nacional, se o que ele faz é desorganizar o que eventualmente pode haver de sólido no ensino médio?

Deveria ser o principal elemento a forçar a definição de um currículo mínimo nacional se desse ao menos pistas do que pretende.

Não é o que acontece.

O que se vislumbra nessa prova é um artificio, uma maquiagem malfeita, um engodo com pretensões de afirmar um suposto conceito honroso sobre educação, especialmente a pública, em nosso Brasil.

Elaborar questões que testam a capacidade interpretativa dos estudantes não tem nada de errado. O errado é fazer isso sabendo que, de acordo com pesquisas, mais de 60% da população é de analfabetos funcionais. (leia mais sobre isso clicando AQUI).

O principal problema na estrutura educacional brasileira está no fato de não sermos capazes de elaborar um consistente currículo nacional, pautado em nossa realidade social, política, econômica e cultural. Ficamos macaqueando, tentando fazer funcionar métodos empregados em outros países, mas que não se adequam a nossa realidade.

Nossos "especialistas" criaram esse novo Enem baseado no SAT americano.
O resultado que obtiveram foi um SAT capenga, pois o nosso "maravilhoso" Enem emprega como ferramenta de seleção apenas uma das partes utilizadas pelo primo rico americano.
Explicando melhor...
O SAT é usado pela maioria das universidades dos Estados Unidos como um dos critérios para o ingresso de estudantes. Existente desde a década de 40 (isso mesmo!), o SAT é aplicado sete vezes ao ano nos EUA e seis vezes no exterior por uma instituição chamada College Board . Só este último fato já demarca uma grande diferença quando comparado com a única aplicação anual do ENEM.
Tem mais...
Na verdade, a exigência do SAT é uma parte do processo de seleção para o ingresso nas faculdades, são avaliados também o histórico escolar do aluno, o envolvimento em atividades voluntárias e cartas de referência de professores.
Agora já deu para se ter noção do quanto ainda falta para que o Enem reflita verdadeiramente a realidade educacional brasileira.


Fui professora de escola pública e particular. 
Sei muito bem que entre elas existe um verdadeiro abismo, consequência principal do sucateamento da educação pública brasileira. Que como disse Cazuza: "Já vem malhada antes de eu nascer".

E como nossos magníficos governantes idealizam corrigir isso? Criando cotas? Obrigando as universidades a adotarem o Enem como ferramenta de seleção? O que se pretende fazer com o Enem? Transformá-lo em instrumento equitativo e nivelador da educação brasileira? Ou torná-lo mais um engendrado e mal ensaiado instrumento segregador? Onde as questões do Enem refletem a realidade da educação pública brasileira ou quiçá particular?

Perfazer caminhos para a construção de uma sólida educação parte da observação da realidade e não de uma pseudo realidade. Acredito que esse exame, elaborado por "mestres" e "doutores" que copiam modelos do século passado, nunca preocupou-se realmente com a qualidade do ensino oferecido. 

Como elaborar uma prova igualitária sem levar em conta as distorcidas realidades da educação em cada região do país? Sim, porque não se pode esquecer que somos um pais de dimensões continentais. Abrigamos os mais diversificados resultados da miscigenação de povos, raças e culturas.

Entrincheirar o acesso à universidade pública no Brasil com uma prova tão desproporcional  , é tão aviltante ou pior do que cotizar algumas vagas para estudantes que notadamente não tiveram oportunidade de acesso às ferramentas adequadas para concorrência.
Reconhecer o direito de minorias vai muito além disso. Reconhecer o direito de minorias é tratar com zelo, dignidade e respeito suas dificuldades, suas necessidades.

Vamos deixar a hipocrisia de lado!

Vamos encarar a verdade de frente!

Vamos parar de tentar nos enganar achando que a educação de hoje é melhor do que a de ontem!

A mudança tem que começar por nós!
Expresse sua indignação!
Não se cale ante a essa aberração chamada ENEM.


p.s:  Dedico este texto a  todos os estudantes que corajosamente  prestaram Enem em 2012!

2 comentários:

Aline Brandão disse...

Brilhante abordagem, parabéns!!!!

minha palha minha vida disse...

Sou favorável ao ENEM... Óbvio que há falhas, pois o vestibular ainda está arraigado em nosas mentes e corpos, cpmo única forma de ingresso ao ensino superior. MAs a forma como o ENEM é elaborado é boa e inclusiva.

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